Cria profana [Larissa Prado]

A barriga ondulante e lisa reluzia o óleo enquanto os dedos massageavam com movimentos circulares. As dores aumentavam. Catarina tornou-se inválida nos últimos dias, a barriga crescera em ritmo inesperado não permitindo que saísse da cama. 

Ali se transformou em seu lugar de tormenta. Ir ao banheiro se tornou uma verdadeira via-crúcis. Gemendo, ela se sentava no vaso, contraída, o corpo encolhido coberto de pústulas. 

No terceiro dia, a urina saiu vermelha e a dor lancinante a fez desmaiar. Acordou na cama, devidamente vestida, elas lhe deram remédios que não surtiam efeitos e deixavam compressa e bolsa de água quente sobre a barriga. Numa gestação comum os nove meses arrastam-se em dias infindáveis para as mães ansiosas, loucas para ter nos braços suas crias. Catarina assim como sua gravidez eram únicas. Pois, cercada pelos muros altos do convento e criada no silêncio sepulcral das freiras, o que carregava no ventre era algo inexplicável.

No início, acreditaram no milagre. Tal qual Maria que gerou o enviado de Deus, consideraram que a pequena Catarina fosse santa. Mas conforme o tempo passou e aquela gestação atípica e, estranhamente, acelerada evoluiu, ela se tornou funesta. Era a sujeira que a madre tentava esconder por baixo do tapete.

A barriga cresceu assim, de uma semana para outra. Tomou forma arredondada e pulsante. Catarina sentia movimentos incômodos e dolorosos, como se aquilo não fosse um bebê, mas um bicho selvagem. Acreditou no que as outras irmãs sussurravam, ela era uma blasfêmia. Implorava por sua alma, ajoelhada e nua durante o banho, para que o Senhor lhe desse a força necessária para tal expiação. 

Naquela fatídica noite, Catarina acordou com uma dor que jamais sentira. Quando olhou para o próprio corpo notou que estava arreganhada e os lençóis imundos de sangue. A coisa abriu caminho por entre as coxas, rasgando útero e vulva com presas afiadas. O grito dela ecoou por todo convento. 

A madre correu ao encontro de Catarina enquanto as outras trancaram-se nos aposentos para rezarem para Deus. O clima fúnebre potencializado por uma chuva de vento forte fez com que Catarina sentisse dentro de um pesadelo.

Agarrada à cama, gritou com força. A coisa se resumia a uma cabeça de bocarra enorme e olhos curiosos. Era um bebê incompleto, o cabelo cheio bagunçado e coberto de placenta lembrava o seu embora protuberâncias pudessem ser vistas no alto da testa. A coisinha virou na direção da mãe e rastejou pelo colchão, como se farejasse seu choro, saltou sobre seu seio e abocanhou. O rebento sedento chupou o leite e se saciou quando arrancou sangue. 

Naquele momento, a madre não conseguiu abrir a porta. As mãos trêmulas tentavam em vão tirar a chave. Os gritos de Catarina cessaram e a tempestade acalmou, o vento tornou-se brisa. 

Quando a porta abriu a madre superiora encontrou uma bebê rechonchuda, nenhum sinal de Catarina. Apanhou-a nos braços para em seguida devolvê-la à cama. A barriga inchada da pequena ondulava como se ali crescesse algo profano.


desenho realista em preto branco e azul de um corpo feminino nu e gestante com a cabeça envolta em tecidos com apenas uma pequena parte do olho aparecendo
Laid Cream - Daniella Salamão