Banquete [Larissa Prado]

Estiquei o pescoço o máximo que consegui e a dor desceu para o quadril, eu sei que por cima do muro os olhos me observam através do concreto. Quando amanhece também estão abertos, não fecham, acordados mesmo inconscientes. Estiquei a mão no alto, o vidro do muro rasgou a carne. Eu sei que deveria me manter em segurança dentro da casa, mas não tenho sono. Tenho fadiga, três quartos de ansiolítico, uma imagem borrada. Eu sei que deveria ir embora encontrar mamãe. Apesar de nosso rancor, preciso de alguém que cozinhe os milhos e os transforme em derivados.
Estiquei as pernas, nas pontas dos pés. Os olhos também tinham narizes e bocas, rostos completos. E vigiavam, a cabeça girando em trezentos e sessenta graus como corujas de metal que instalaram na vizinhança. Cada grito do fundo dos poços secretos é um grito que sufoco na garganta. Sei que deveria ficar calada, engolir o fôlego chiado, meu pulmão é frágil. E os abutres circulam no céu depois que os aviões de fumaça passam. Um estrondo e a terra se abre, crateras de coisas pegajosas, oleosas. Não deveria pensar nisso agora que estou quase conseguindo saltar, não deveria esticar mais o corpo, vai estourar. Uma coisa assim acontece a cada cem anos, não quero ficar nessa casa cheia de lembranças ruins. Preciso de um moedor de carne quando atravessar a avenida e encontrar com a mamãe porque ela me
espera com um monte de cadáveres frescos. Vamos fazer um banquete, as coisas não deveriam ser assim, mas sempre são, são sempre o que não deveriam ser.

desenho realista em preto branco e vermelho de rosto e busto de uma mulher de perfil com várias mãos vindas de todos os lados e segurando seu peito ombro costas pescoço nuca cabeça e queixo e uma mão enfiando dois dedos na boca da mulher e com a frase take me Im just a product of massive consuption escrita na parte superior
Banquete - Daniella Salamão